O conto “Meu réu de colarinho branco” foi publicado em primeira mão durante os anos oitenta no Jornal “Angolé, Artes e Letras”, publicado em Portugal, dirigido pelo escritor Adriano Botelho de Vasconcelos, à época adido cultural em Portugal.
“…Manuel ia subindo e descendo os carreiros orlados de capim e arbustos. Descia e subia. Subia e descia. Pelos rasgões dos quedes João Domingos notavam-se-lhe calos da geografia daquele bairro de casas de adobe, sob a sombra nocturna ainda em manto de nevoeiro. Por entre frestas das casas, mansamente, raios solares, abafavam a chama dos candeeiros a petróleo. O grito dos galos confundia-se em alternância com a voz de
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comando dos meninos da OPA a invadir o silêncio orvalhado em ribombantes marchas militares. Encurtava a lonjura, Manuel, passo a passo, que o separava da lavra. Seus pés estalavam raminhos que espantavam pássaros e os chilreios vibrantes em voo chamaram a atenção do velho Zé, madrugador refastelado na cadeira de lona e tinha a casita semeada por entre arvoredo denso e variegado. Com a caneca e a escova na mão a polir os dentes, gritou: -Eu. A cuspir para o chão, endireitava o casaco. Era um velho fino, eivado de preconceitos que passava a vida a gabar o filho seminarista, engenheiro, desaparecido algures na guerrilha da luta de libertação pela independência. Moço alto, Manuel, de figura seca atrofiada pela pneumonia contraída na infância esticara o passo e apertara aquela mão velha de fazer o nó à gravata e costureira da ementa portuguesa para patrões importantes da cidade dos anos 1960 em diante.
O velho envolvia Manuel no seu olhar pegajoso, sem desprender o aperto. Ia fotografando as fases sucessivas por que conhecera aquele rapaz, sobretudo do dia em que seu patrão de vinco irrepreensível nas calças e formas distintas dos sapatos, aparecera amarrotado, dizem -continuava intimamente a memorizar e a afunilar a voz como fazia quando falava do filhó-que atraíra seus colegas para o escritório do patrão com uma lista de nomes ordenara o aumento do salário. Dizem – continuava intimamente a memorizar e a afunilar a voz como fazia quando falava do filhó – que atraíra seus colegas para o escritório do patrão com uma lista de nomes ordenara o aumento de salários. Arcaboiço largo daquele homem espadaúdo moía seu ricto desdenhoso, contemplado por glórias fictícias. Duas lágrimas brotaram-lhe da alma e ondularam pelas rugas (…).
“Desfolhar as manhãs do antigamente”, título deste texto, é uma metáfora que introduz o conto “Degravata”.